Estudo
realizado por Ronaldo Legey
20/11/2018
Hoje,
assistindo ao Jornal da Globonews,
ouvi de um jovem repórter a seguinte frase:
A
meteorologia anunciou chuva para o feriadão,
mas pelo jeito, a galera está
aproveitando este solzão. A praia
está lotadaça.
O uso dos aumentativos no linguajar deste repórter
logo me despertou uma curiosidade que tenho faz tempo, já que venho observando
que as marcas de intensidade no linguajar carioca estão cada vez mais
frequentes. Perguntei-me então se, num jornal televisivo, isto não deveria ser
evitado. A resposta talvez seja não e, quem sabe, o defasado seja eu.
Atualmente, é grande a leva de repórteres mais jovens atuando na TV e, além de
os jornais também estarem procurando se tornar menos formais, os repórteres
trazem consigo a sua forma coloquial de comunicar. Tal
diferença, talvez imperceptível numa geração, vai-se acumulando a pouco e pouco
e, não com rara frequência, nos damos conta, em determinados momentos de nossas
vidas, de que a língua que falamos já apresenta diferenças marcantes em relação
àquela usada por gerações posteriores à nossa. Provavelmente isto também se dá
em outras regiões do Brasil, visto que os falares do português brasileiro vêm
se uniformizando e ganhando cada vez mais o reforço pela tendência niveladora
dos meios de comunicação, especialmente por meio do rádio e da televisão. Um
jovem amigo meu, que não é repórter, é useiro e vezeiro em empregar
aumentativos em sua fala. Volta e meia solta lá no WhatsApp um “sabadão”, um “domingão”, uma “segundona”,
um “estamos juntão”. Acho bonita esta espontaneidade. Trata-se certamente de
uma variação expressiva de linguagem com a finalidade de captar a atenção do
interlocutor. Afinal, este é um movimento comum e natural de uma língua, a qual
varia principalmente por fatores históricos e culturais.
A
Linguística nos ensina que as variações se dão em razão do contexto de
comunicação, ou seja, é a ocasião que determina os modos como falamos com nosso
interlocutor. A língua é um sistema de linguagem e,também, é
um fato social. Por isso mesmo não pode ser um sistema unitário e comporta
vários eixos de diferenciação de linguagem: estilístico,
regional, sociocultural, ocupacional e etário.
Há três tipos de variações ou variantes linguísticas reconhecidos pelos
especialistas e já existe até quem aponte um quarto tipo. Assim vejamos:
- Variações diafásicas ou expressivas
Entendamos
primeiro o que significa diafásico. Trata-se
de uma palavra que vem do grego, na qual diá tem o sentido de “através
de” e phásis, “expressão”, “modo de falar”. O Dicionário Houaiss define, portanto,
este tipo de variante, dizendo que é característico de cada uma das diversas
modalidades de expressão da língua: a linguagem falada, escrita, literária, da
prosa, da poesia, as linguagens especiais etc. E como exemplo de variante
diafásica no português brasileiro, cita “eu o vi”, comum na língua
escrita, e “eu vi ele”, comum na língua falada informal e até mesmo
entre pessoas cultas. Proença Filho (2017), por sua
vez, refina mais o conceito e nos ensina que alguns especialistas chegam até a
falar em variações diafásicas no discurso masculino e feminino, no das
crianças, no dos jovens, no dos idosos, e
que tais variações, segundo a mais recente classificação adotada pelo Projeto de Atlas Linguístico Brasileiro
(AliB), são classificadas respectivamente como variedades diassexuais ou diagenéricas,
e variedades etárias ou diageracionais. Tomando-se como
orientação tal classificação, poderíamos talvez dizer que as marcas da
intensidade no linguajar carioca são variantes expressivas diageracionais.
- Variações diastráticas ou socioculturais
As variações diastráticas
(do grego diá = através de; stratum = estrato, camada) correspondem
às diferentes formas produzidas por falantes de diferentes classes sociais que ocorrem em virtude da convivência entre os grupos sociais.
Houaiss dá como exemplo
os apelativos dona, madame e senhora, usados na comunidade
carioca como variantes diastráticas diferentes, sendo os dois primeiros característicos
da fala de pessoas das classes mais populares e o terceiro, das de classe média
e alta [trabalhei na casa de uma dona, de uma madame; dei aula para a
filha daquela senhora]. Azeredo (2008) nos fala também da posição do
linguista francês Paul Teyssier, recentemente falecido, para quem as diferenças
nos modos de falar no Brasil são menos geográficas e mais socioculturais, ou
seja, são maiores entre um homem culto e seu vizinho menos escolarizado do que
entre dois brasileiros do mesmo nível cultural procedentes de duas regiões
distantes uma da outra.
·
Variações diatópicas ou geográficas
Diatópico é palavra que também vem do grego: diá= através de; tópos=
lugar.Tais variações são aquelas que ocorrem pelas diferenças regionais. Denominadas ainda de dialetos, referem-se a
diferentes regiões geográficas, de acordo com a cultura local. Antenor Nascentes, citado por Matto Câmara Jr., já alertava no início do século passado para o
fato de que se devia considerar uma divisão dialetal entre o Norte brasileiro
(os subdialectos amazônico e nordestino) e o Sul (o baiano, o fluminense, o
mineiro e o sulista). Todos conhecemos bem variações deste tipo. Um
exemplo marcante é a palavra “mandioca” que, em certos lugares, tem os nomes de
“ macaxeira” e “aipim”.; “abóbora”, em algumas regiões, é chamada de “jerimum”.
Nesta modalidade também se incluem os sotaques que observamos na pronúncia
caracterítica das populações destas regiões.Houaiss diz que se trata de qualquer variedade linguística coexistente com outra [no
português do Brasil, o chamado dialeto caipira (Amadeu Amaral), o linguajar
carioca (Antenor Nascentes), a língua
do nordeste (Mario Marroquim) por exemplo].
· Variação
diamésica
Diamésico: do grego diá = através de e mésos = meio. Este é o último tipo
de variação a ser reconhecido. Tem a ver com o meio de comunicação empregado,
ou seja, a fala, um documento escrito, um e-mail, uma mensagem no WhatsApp, e
assim por diante.
O grau aumentativo apontado na inicial deste estudo, ocorre
tanto em adjetivos quanto em substantivos e pode ser formado mediante dois
processos na língua portuguesa: o sintético, quando é feita a junção de sufixos
aumentativos: porta/portão, cansado/cansadão; o
analítico, quando é feita a junção de adjetivos que indicam aumento:
porta/porta grande, cansado/ super cansado.
Mas, na língua oral do português brasileiro, vemos
até os advérbios acrescidos de aumentativo: mal/malzão; bem/ benzão; muito/
muitão. E, segundo, Medeiros,
encontramos até a anexação
de um morfema aumentativo a uma raiz ou radical verbal: babar/babão, beber/beberrão, brigar/brigão, brincar/brincalhão,
chorar/chorão, comer/comilão, enrolar/enrolão, fugir/fujão, furar/ furão, mandar/
mandão, pedir/pidão, reclamar/reclamão, responder/respondão, saber/sabichão, vacilar/
vacilão etc. E ao
contrário do que ocorre quando aumentativos ou diminutivos são afixados a nomes
ou adjetivos, o aumentativo, aqui, nominaliza a base.
Na forma
sintética, são muitas as possibilidades de sufixos aumentativos. Rocha Lima
(1997) nos indica alguns: sufixos –ázio,
–orra,
–ola,
–az, e
sobretudo –ão,
que pode variar em –eirão,
–alhão,
–arão,
–arrão,
–zarrão.
-ão: garotão, papelão, paredão, bichão…
-ona: mulherona, mocetona, …
-alhão: vagalhão, dramalhão... arão: casarão
-(z)arrão:, homenzarrão, canzarrão,…
-eirão: vozeirão, asneirão, toleirão,…
-aça: mulheraça, barcaça, caraça…
-aço: filmaço, corpaço, amigaço, balaço…
-ázio: copázio, pratázio,…
-uça: dentuça
-anzil: corpanzil,…
-aréu: povaréu, fogaréu,…
-arra: bocarra, naviarra,…
-orra: cabeçorra, beiçorra...
-astro: poetastro,…
-az: ladravaz pratarraz,…
-ona: mulherona, mocetona, …
-alhão: vagalhão, dramalhão... arão: casarão
-(z)arrão:, homenzarrão, canzarrão,…
-eirão: vozeirão, asneirão, toleirão,…
-aça: mulheraça, barcaça, caraça…
-aço: filmaço, corpaço, amigaço, balaço…
-ázio: copázio, pratázio,…
-uça: dentuça
-anzil: corpanzil,…
-aréu: povaréu, fogaréu,…
-arra: bocarra, naviarra,…
-orra: cabeçorra, beiçorra...
-astro: poetastro,…
-az: ladravaz pratarraz,…
Na fala carioca, entretanto, há alguns sufixos que são os preferidos.
Dentre estes, aparecem dois que entram frequentemente na formação de novas
palavras: –ão e –aço. O
sufixo –ão pode
conectar-se a praticamente qualquer base e o sufixo –aço
requer que a base primitiva seja concreta. Além disso, os
derivados com o sufixo –ão têm
em geral como atribuição de significado a dimensão: apartamentão, carrão, ou seja, de tamanho grande; já o
sufixo –aço tem
mais a significação de qualidade: apartamentaço,
carraço, ou seja, um belo apartamento,
um belo automóvel. Isto não quer dizer que, dependendo da entonação dada à
fala, o contrário também não ocorra: mulherão, lotadaço etc.
Assim
sendo, é comum ouvirmos “malzão” (muito mal), “vacilão” (aquele que, sem medir as
consequências de seus atos ou palavras, acaba fazendo ou dizendo algo que só
lhe trará aborrecimentos ou malefícios), “sabadão”
(dia de aproveitar, de cair na farra, de se divertir), “domingão” (dia de descanso, de aproveitar para passear etc.), “segundona” (segunda-feira, dia de
iniciar a batalha depois da ‘farra’ do fim de semana), e por aí vai: portão
x portona; mulherão x mulheraço; sonzão x sonzaço; maridão x maridaço. A lista
é enorme: amigão, bestão, bichão,
bolão, chorão, choramingão, comilão, gatão, garotão, gostosão, tolão, toleirão,
valentão, amorzão, carecão, cacetão, cornão, filão (fila grande), homão,
palermão, parrudão, porradão, viborão (pessoa má), vidão, pernão etc.
Um
dos critérios que se mostram fundamentais para a escolha do sufixo a ser
utilizado pelo falante é o gênero da palavra. Percebemos que, com uma grande
frequência, o falante concorda o gênero do sufixo com o gênero da palavra,
desta forma, o sufixo -ona é utilizado para palavras femininas e os
sufixos -ão e -aço para palavras masculinas. Como aconteceu nos
casos de “porta” e “carro” que receberam as derivações “portona” e “carrão”.
Entretanto, além de indicar o tamanho aumentado de um determinado
substantivo, o grau aumentativo é usado muitas vezes com sentido cômico ou
pejorativo:
·
Fala, cachorrão!
·
Poxa, que narigão!
·
Nossa. Que povão ignorante!
·
Que dramalhão!
E a coisa não fica por aí. A necessidade de as pessoas
fazerem construções intensas em suas falas faz com que elas apelem para outros
recursos. Assim, são comuns prefixos do tipo super, mega, hiper, tri, quando não empregam palavras como baita, puta, a expressão de carteirinha etc. Exemplos:
·
Hoje vai rolar
uma festa lá no clube. Vai ser super legal.
·
Muito super
mesmo.
·
Hiper amei aquele
filme.
·
A mina é tri
ciumenta.
Há quem possa pensar que o uso dos
aumentativos é uma questão de gíria. Mas não é bem isso. As gírias pertencem ao
vocabulário específico de certos grupos sociais como, por exemplo, a gíria dos
marginais, dos surfistas, dos estudantes, dos hippies etc. Elas costumam
funcionar como um mecanismo de coesão tribal. Há muitos aumentativos que são
mais usados na gíria carioca como, por exemplo: bundão (para caracterizar o indivíduo tolo; o mesmo que moleirão,
bunda-mole), fodão (pessoa muito
hábil). Aumentativo, porém, não é gíria.
E o
jargão? O jargão está relacionado com as áreas profissionais dos falantes,
caracterizando um linguajar técnico. Assim temos o jargão médico, dos
advogados, dos professores, dos profissionais da Informática etc.
De qualquer modo, é preciso termos bem claro que as
línguas apresentam variações ou variantes que se dão em função do contexto
comunicativo, isto é, a ocasião é que nos indica o modo como vamos falar com
nosso interlocutor. Isto pode se dar de maneira formal ou informal. Nenhuma
variante é melhor ou pior que a outra, são apenas usos da língua. Assim sendo,
nada de preconceitos. É o que nos ensina Proença Filho (2017).
REFERÊNCIAS
1.
AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira. São Paulo: Anhembi,
1955.
2.
AZEREDO, José
Carlos de. Gramática Houaiss da língua portuguesa.2ª ed. São Pulo:
Publifolha,2008.
3.
CUNHA, Celso & LINDLEY, Cintra. Nova
Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
4.
FREIRE, Camila
Pretti Silva.
Gradativos aumentativos derivacionais: um estudo de sua aquisição
e uso na fala coloquial de adultos.
Disponível em:< http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=2ahUKEwjDttnkgujeAhUEjZAKHSbDBHMQFjAAegQICRAC&url=http%3A%2F%2Fwww.bibliotecadigital.unicamp.br%2Fdocument%2F%3Fdown%3D74308&usg=AOvVaw0E9JMmPEGoRqnRaYeXAnBw>. Acesso em 20 de
novembro de 2018.
5.
HOUAISS, Antônio
e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
6.
MARROQUIM, Mario.
A língua do Nordeste (Alagoas e Pernambuco). São Paulo:
Nacional, 1934.
7.
MATTOSO CÃMARA
JR., Joaquim. Dicionário de linguística e
gramática: referente à língua portuguesa. 27 ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.
8.
MEDEIROS,
Alessandro Boechat. Sobre aumentativos
de verbos. ReVEL, v. 13, n. 24, 2015. [www.revel.inf.br].
9.
PROENÇA FILHO,
Domício. Muitas línguas, uma língua:
a trajetória do português brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2017.
10.
ROCHA LIMA,
Carlos Henrique da. Gramática normativa
da língua portuguesa. 49ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.
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