Guerra das Bolsas
Bernard Arnault, da LVMH[i], tem um apetite insaciável por marcas de luxo. Agora o “lobo em cashmere” está lambendo os beiços para uma das últimas empresas de controle familiar no negócio: a Hermès. Será que ele vai vencer e transformar a classe em consumo de massa?
Por Dana Thomas 12 novembro de 2010
Tradução; Ronaldo da Silva Legey.
Bernard Arnault, dono do grupo LVMH.
No indelicado mundo da moda de luxo, o magnata francês Bernard Arnault é conhecido como o "lobo em cashmere." Isso porque ele tem devorado uma grife após a outra, como por exemplo, o champanhe Dom Pérignon (que, a propósito, já é de sua propriedade), a Louis Vuitton, a Givenchy, a Marc Jacobs a Fendi. Todas essas grifes, e outras mais, já integram o grupo LVMH Moët Hennessy-Louis Vuitton, o conglomerado francês que Arnault montou para se tornar o sétimo homem mais rico do planeta (com um patrimônio líquido avaliado em 27,5 bilhões dólares). No momento, ele está pretendendo devorar uma das últimas marcas de controle familiar, a Maison Hermès, cujas bolsas Kelly e lenços de seda coloridos são artigos exigidos por ricos e por aqueles que aspiram a sê-lo.
Como qualquer bom predador, Arnault, um empresário de 61 anos de idade, aproximou-se sorrateiramente da Hermès Internacional. No mês passado, a LVMH revelou discretamente que conseguira uma participação nos lucros da Hermès da ordem de 17,1%, por mais de dois bilhões de dólares. Como costuma acontecer quando uma empresa está pretendendo engolir a outra, a LVMH declarou que não tinha intenção de fazer qualquer oferta de compra ou de assumir o controle da Hermès. E, para que os motivos de Arnault não fossem mal interpretados, a empresa prometeu que "o objetivo da LVMH é ser um acionista de longo prazo da Hermès, contribuindo para a preservação da família e dos atributos franceses que estão no cerne do sucesso global desta icônica marca”.
O que torna a Hermès um prêmio tão cobiçado é sua obstinação pela qualidade. Nas duas últimas décadas, a indústria do luxo sofreu uma total remodelação, passando de pequenos negócios familiares, com coleções destinadas a atender uma clientela sofisticada, para megamarcas voltadas para o consumo de massa, que movimentam bilhões de dólares por ano em vendas. Arnault tem sido o principal artífice dessa tendência, criando nas demais classes sociais o desejo de consumir artigos que, um dia, foram rótulos exclusivos, como é o caso da Louis Vuitton --- e isso visa a atrair especialmente os mercados em desenvolvimento, tais como a China, a Rússia e a Índia. Essa estratégia fez da LVMH um gigante rival do setor, com 23,5 bilhões de dólares em vendas em 2009, comparados com os 2,6 bilhões para Hermès.
No entanto, Arnault sofre muitas críticas pelo fato de comercializar classe para as massas, especialmente com artigos como as bolsas Fendi encontráveis até em shoppings, e o champanhe Dom Pérignon, vendido ao lado do Korbel, na rede Costco. [ii] (Britain’s Advertising Standards Agency) proibiu dois anúncios da Louis Vuitton, destinados aos clientes, que foram considerados enganosos, os quais mostravam como são fabricados seus produtos. Um desses anúncios mostrava uma costureira fazendo uma bolsa e um texto com os seguintes dizeres: “Agulha, fio de linha, cera de abelha e paciência infinita..." Hoje, a maioria dos produtos de couro da Louis Vuitton é feita à máquina, em linha de montagem. Em maio, a Agência de Publicidade de Marcas da Grã-Bretanha
Pensar que sapatos Hermès e xales podem ser produzidos em massa coloca os puristas em polvorosa. Cada uma das bolsas Kelly e Birkin, da empresa, são feitas por encomenda, por um único artesão, com o mesmo pedaço de fio, do começo ao fim. A demanda por essas bolsas, cujo preço começa em 6.000 dólares cada, supera a capacidade de produção, de modo que existe uma lista de espera de um ano. Mesmo com a economia em queda, a Hermès cresceu: seu diretor-geral Patrick Thomas anunciou, na semana passada, que as vendas da Casa no terceiro trimestre subiram impressionantes 30%%. Não é de admirar que Arnault esteja salivando, especialmente quando os lucros da LVMH tiveram queda no ano passado.
Se as informações sobre Arnault servem de indicação, a Hermès vai precisar de muito mais que uma bolsa Birkin para mantê-lo afastado. "Arnault é um homem astuto", diz um diretor-geral de marcas de luxo, que aceitou falar com franqueza sobre seu único concorrente, desde que fosse mantido em anonimato. "Quando revê seu portfólio e nota que está ausente uma empresa que ainda produz luxo verdadeiro, ele vai atrás dela." Arnault recusou um pedido da NEWSWEEK para comentar o assunto.
Ele conquistou sua fama de predador no final de 1980, quando obteve o controle da LVMH da família Vuitton, após uma luta de diretoria desigual, pessoal e vingativa, que fez o jornal francês Libération chamá-lo de "Maquiavel das finanças”. A guerra terminou, com a Vuitton empacotando as coisas de seus escritórios e deixando sua sede na Avenida Montaigne, em lágrimas.
Durante a década que se seguiu, Arnault expandiu seu império, abocanhando uma grife familiar após a outra. Nem todas as aquisições foram motivo de choro: a compra do champanhe Krug e da casa de moda florentina Pucci se passou de forma bastante civilizada. Outros negócios, porém, transcorreram de maneira muito menos agradável, como quando Arnault entrou no meio de uma briga de família e comprou uma participação para controlar, na França, o famoso vinhedo Château d'Yquem, que outrora pertenceu a Eleanor de Aquitânia.
A forma deselegante como Arnault trata os fundadores das empresas é decididamente percebida como não francesa. Quando ele adquiriu, de seus fundadores, a empresa de artigos prêt-à-porter Céline, ele lhes assegurou que poderiam permanecer à frente do negócio, só que os demitiu poucos meses depois. Hubert de Givenchy foi empurrado para a aposentadoria, após Arnault ter assumido o controle da sua casa de alta costura através de sua aquisição da LVMH. Depois, a LVMH comprou a empresa de perfumes Guerlain e seu perfumista de longa data, Jean-Paul Guerlain, foi lenta, mas seguramente, demitido das suas funções, também. É significativo o fato de os concorrentes da LVMH se referirem ao conglomerado Arnault como "o império do mal".
A batalha real chegou ao final, em 1990, quando Arnault tentou adquirir a Gucci. Tal fato veio a ser conhecido como "a guerra das bolsas." Depois de meses de luta jurídica e com a diretoria da empresa, Gucci obteve ajuda do financista francês François Pinault, que criou o maior concorrente de Arnault, o Grupo Gucci. Foi o único fracasso de Arnault em suas aquisições.
Desde então, ele tem-se mantido relativamente calmo, mais voltado para o crescimento de suas marcas, principalmente a Louis Vuitton, que agora movimenta mais de três bilhões de dólares por ano em vendas. Mas o tempo todo, correm rumores periódicos no mercado francês de que Arnault estaria considerando a hipótese de fazer uma proposta à Maison Hermès, marca que ele tanto admira.
Esse é, sem dúvida, o receio dos herdeiros de Thierry Hermès, que controlam a casa de moda. Depois de ver a forma como Arnault lidou com os Vuitton, o então diretor-geral da Hermès, Jean-Louis Dumas, criou uma empresa, em 1989, para representar os acionistas da família, com autoridade para nomear administradores e deliberar estratégias para a empresa. Dumas, um trabalhador protestante, conservador, também temia que disputas internas na família e a ganância pudessem um dia acabar com a Hermès. Vários dos herdeiros vivem de forma intensa (um deles, por exemplo, era o antigo chefe da Federação Internacional de Polo; outro levou 450 pessoas para Marrakesh, em um jato particular, para sua recepção de casamento de cinco dias). Dumas, então, se preocupava com a possibilidade de eles virem a querer ou, então, precisarem de mais dinheiro, além daquele que os dividendos lhes pagam. Assim é que, em 1993, ele colocou 25% dos negócios da empresa em parceria, no mercado acionário francês, acreditando que essa configuração de duas camadas pudesse proteger a Hermès de ser adquirida por alguém estranho à família.
Mas esta estrutura também permitiu que pessoas de fora pudessem comprar as ações. [iii] (contratos de swaps com liquidação financeira). Estes instrumentos financeiros são frequentemente utilizados por compradores hostis, tentando acumular uma grande participação numa empresa de capital aberto, sem ter de divulgar sua participação. O uso de contratos do tipo equity swaps, em brigas para assumir a direção de empresas, chamou a atenção da organização AMF[iv], a equivalente francesa da Securities and Exchange Commission, fazendo com que o presidente da AMF, Jean-Pierre Jouyet, comparasse isso a uma prática típica do "faroeste". No início deste mês, a AMF anunciou que iria investigar as movimentações de equity swaps da LVMH, a fim de poder confirmar se as regras de mercado francesas foram respeitadas. A LVMH, por seu lado, disse estar "confiante nos resultados do inquérito, o qual mostrará que o grupo agiu da forma que sempre afirmou, isto é, com operações efetuadas no pleno respeito das normas vigentes”. E isso é o que a LVMH tem-se ocupado em fazer, adquirindo o que é conhecido como cash-settle equity swaps
Os executivos da Hermès têm dado a conhecer a Arnault, muito claramente, que a empresa não está à venda. Dois dias depois do anúncio da LVMH, Thomas, o diretor-geral e Puech Bertrand, descendente de quinta geração de Thierry Hermès, que dirige a companhia da família, se encontraram com Arnault, dizendo-lhe que não consideram ter a LVMH se comportado de forma tão "amigável" como ele declarara publicamente. Os dois exigiram que ele encerrasse sua perseguição agressiva à empresa, informando que a família está “unânime" em sua posição sobre o assunto. Arnault respondeu que não tem nenhuma intenção de desistir de sua participação na Hermès e que não quebrou nenhuma lei de valores mobiliários.
Os herdeiros podem estar "unânimes” em sua posição de manter a Hermès na família, mas a pergunta permanece: por quanto tempo? Segundo analistas, a proteção garantida pela sociedade da família estende-se apenas até a sexta geração de descendentes de Thierry Hermès, a qual se encontra agora na meia-idade. Hoje, existem cerca de 60 acionistas da família na empresa, mas, na geração seguinte, esse número irá dobrar, aumentando as chances de os herdeiros liquidarem seus fundos e receberem seu dinheiro. Mesmo sabendo que eles são leais à Casa Hermès e que rejeitam a ideia de vê-la nas mãos do "império do mal", alguns observadores acreditam que a fusão poderia ser bom negócio para ambos os grupos. "Haveria aumento de sinergias, do tipo compra de mídia, negócios e cadeias de fornecimento, e assim por diante”, afirma Luca Solca, analista de mercado do luxo para a empresa de consultoria Bernstein Research, de Londres. "A fusão é o caminho que o setor do luxo está trilhando, e deverá haver dois ou três grupos que deterão a maioria do negócio." Se for esse o caso, o lobo poderá, em breve, estar completamente saciado. É uma questão de tempo.
Nota do Editor: Este artigo indicou erroneamente que bolsas Louis Vuitton são vendidas em shoppings. Embora outras marcas LVMH tenham lojas em shoppings, a Vuitton não.
[i] LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton S.A., ou simplesmente LVMH, é uma holding francesa especializada em artigos de luxo. Foi formado pelas fusões dos grupos Moët et Chandon e Hennessy e, posteriormente, do grupo resultante com a Louis Vuitton.
[ii] É o órgão regulador independente do Reino Unido de publicidade em todas as mídias, incluindo TV, Internet, promoções de vendas e marketing direto. Our role is to ensure ads are legal, decent, honest and truthful by applying the Advertising Codes. Seu papel é garantir que os anúncios sejam legais, decentes, honestos e confiáveis, através da aplicação do Código de Publicidade.
[iv] Autorité des Marchés Financiers (AMF): é um órgão público independente, responsável por salvaguardar os investimentos em instrumentos financeiros e todos os outros tipos de investimentos, bem como a manutenção regular dos mercados financeiros. The AMF is an independent public body that is responsible for safeguarding investments in financial instruments and in all other savings and investment as well as maintaining orderly financial markets.
Tive algumas dificuldades para traduzir termos e expressões ligados ao mercado financeiro, tais como: cash-settle equity swaps. Aguardo melhores sugestões.
ResponderExcluirAs notas que coloquei foram pesquisadas na Internet.