A AVENTURA DAS PALAVRAS DE UMA LÍNGUA
Ao ler
no Twiter
que o papa Francisco havia dito
sobre o ataque em Paris: 'Se xingar minha mãe, espere um
soco', veio-me logo à mente
buscar a origem, em português, do termo xingar,
tão diferente do offendere italiano,insulter
do francês ou insultar do espanhol.
Fui ao bom e utilíssimo Houais e lá está que o verbete se
originou do verbete quimbundo kuxinga, que significa “injuriar,
descompor”.
Pus-me então a
pensar como é fascinante a aventura das palavras de uma língua. Um belo dia,
elas deixam seu povo de origem e partem em viagem. Não há fronteiras políticas
ou proibições governamentais que as impeçam de partir. Põem o pé na estrada do
mundo e, onde aportam, por lá ficam e criam raízes. Não raro, mudam de aparência,
adquirem novas roupagens, se transformam e até se sofisticam, mas voltar mesmo
para a mãe-pátria, nunca mais! E, para o povo que as recebe, é um negócio da
China, o empréstimo ideal, pois necessidade não há de devolução nem sequer de
pagamento de juros.
O português do
Brasil é rico desses empréstimos. Além de palavras vindas do árabe, francês, inglês,
italiano e outros povos mais, contamos ainda com a rica contribuição das
línguas dos povos africanos trazidos para nosso país na época da colonização
portuguesa.
E voltando ao
quimbundo que nos deu xingar, verifica-se que nos forneceu um bom manancial de
palavras, usadas corriqueiramente, sem sequer nos darmos conta de sua origem. Não
deixa de ser um tanto ingrato esse esquecimento, mas é assim mesmo que as
coisas funcionam. E o que é mesmo o quimbundo?
Trata-se de
uma língua falada
por milhões de indivíduos em Angola, país onde adquire foros de uma das línguas
nacionais. O português tem muitos empréstimos lexicais provenientes
do quimbundo, obtidos durante a colonização portuguesa do território angolano e
através dos escravos angolanos trazidos para o
Brasil. Aqui, é frequente que uma palavra angolana seja encontrada seja com
a mesma forma e o mesmo sentido, seja com variações morfológicas ou semânticas.A
título de exemplo, podemos assinalar: cochilar
( de kukoxila),caçula (de kusula
e de kasule),moleque (de mu'leke,
"menino");cafuzo (mestiço
de negro e índia), zumbi (de nzumbi
'espírito'), quilombo (de kilombo,
"capital, povoação, união"), cafuné
(de kifunate, "entorse, torcedura"); marimbondo (de ma [prefixo de plural] + rimbondo,
"vespa"), camundongo (de kamundong),
muamba (de mu'hamba,
"carga"), mucama (de mu'kaba,
"amásia escrava"), cachimbo
e cacimba
(ambos, de kixima), fubá (de fu'ba), tutu
(comida, de ki'tutu), samba (de étimo
controvertido, mas apontado como proveniente de verbete quimbundo semba,
"umbigada"), jiló (de njilu),
quitanda
(de kitanda, "feira, venda") etc..
Não fiquemos, porém, apenas no campo lexical. Paul
Tessier, em sua interessantíssima História da língua portuguesa, nos diz
que não podemos nos surpreender pelas analogias existentes entre o português de
Angola e do Brasil. Se há semelhanças de vocabulário, há que se acrescentar
também as identidades sintáticas, como uma grande liberdade na colocação de
pronomes átonos ou o emprego da construção eu vi ele por eu o vi. Mas
aí já são outros quinhentos, com desdobramentos e muita discussão. Por
ora, fiquemos por aqui.
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