Pular para o conteúdo principal

O poder da imagem


 

 

O Poder da Imagem. Este é o título de um trabalho de pesquisa que meu saudoso professor do Colégio São Bento, D. Gerardo, lá pelos idos de 1955, pediu que a turma do 1º ano do Curso Científico, correspondente hoje em dia ao Ensino Médio, fizesse. Seu objetivo certamente não era apenas o de melhorar nossa média de notas na disciplina de Literatura Francesa. Ele, com sua inteligência e espírito sagaz, já pressentia o mundo que estava por vir e que iríamos vivenciar. Premonitoriamente, já nos preparava para a reviravolta. Pois é! Tanto tempo depois, por estes saarianos dias do verão carioca de 2015, experimento, na carne e no osso, a viva e intensa realidade deste poder.

Assim é que estava eu tranquilamente posto em sossego no restaurante Leiteria Mineira, criado em 1909, no Centro do Rio e que tem minha preferência há já não sei quantas décadas. Eu colhia não os doces fruitos dos saudosos campos do Mondego, cantados nos Lusíadas de Luís de Camões, mas os benefícios de meu saudável repasto do meio-dia. Eis que, de repente, adentra no recinto a equipe do Jornal Nacional. Iam fazer uma reportagem sobre lojas e estabelecimentos comerciais que guardam uma parte da história do Rio, que agora, no dia 1º de março de 2015, comemora os 450 anos de sua fundação. 

Eu estava terminando tranquilamente o meu almoço, sem me deixar envolver muito com a inusitada movimentação promovida na Casa pela presença da repórter e dos cameramen com seus apetrechos. Como conclusão, pedi por sobremesa o meu habitual creme de maisena com ameixas em calda, só encontrável, ao que eu saiba, na Leiteria Mineira e que tem um proustiano gostinho de infância. Minha escolha, porém, não passou despercebida ao olhar atento da repórter.

Após pagar a conta, já ia eu saindo, quando ela gentilmente me chamou e pediu que retornasse à mesa, pois desejava me entrevistar. Aceitei o convite, por óbvio. Ela então solicitou ao garçom que me servisse outro cremezinho, o qual, a partir de então, já teria de ser chamado de “mingau”, posto que a marca registrada Maizena passou a designar o produto maisena (farinha de amido de milho) e não se podia correr o risco de acusação por merchandising. Ela me fez várias perguntas sobre meu nome, minha vida profissional, o tempo que frequentava o restaurante e outras coisas mais, porém, o que queria mesmo é que eu falasse sobre o “mingauzinho” que voltei a degustar, enquanto ela gravava. Esta última fala foi a que vingou e ganhou o mundo pelas antenas da Globo. A reportagem, que eu não cheguei a assistir, foi ao ar no Jornal Nacional, na edição de 17/01/2015.

No dia, eu me encontrava em casa, no computador, quando meus telefones, tanto o fixo quanto o celular, desandaram a tilintar, todos ao mesmo tempo. Eram parentes, amigos, conhecidos, sei lá mais quem, todos dizendo, cheios de satisfação, que me haviam visto na TV. Hoje ainda, passados já dois dias do evento, recebo telefonema de meu corretor de seguros falando sobre o assunto. Que repercussão!  E eu, o “artista do momento”, só pude ter acesso à informação veiculada no dia seguinte, revendo o Jornal, pelo computador.

No meu bairro, depois desse evento, venho recebendo constante feedback  de minha aparição na telinha. São vizinhos, porteiros do meu prédio, meu jornaleiro, meu fruteiro, a operadora da casa lotérica, o vendedor de água mineral, o vendedor de água de coco, os atendentes da delicatéssen que frequento, enfim, todos os que me viram e, imagino, se sentiram de certo modo não apenas telespectadores, mas participantes daquela produção telespectadores, pois conheciam o personagem e  estavam se sentindo envolvidos na notícia. Espantoso é que muitos até me parabenizam! Mas o mais interessante de tudo foram as palavras de um transeunte, comentando com o jornaleiro: “Aquele coroa ali apareceu na televisão”.

Pois é! O poder da Imagem! Que fascínio ela exerce! Que alcance ela tem! Como é que eu, um provecto cidadão jubilado, que vive sua anonimidade e aproveita como pode os anos suplementares de vida que lhe concede o Senhor, me vejo, de uma hora para outra, guindado a esta notoriedade, transitória por certo, mas fama por ter tido minha imagem exposta na TV! Não posso dizer que isso me desagrade, ao contrário, até me massageia o ego. E, nas minhas reflexões, não deixo de reconhecer que o velho e querido D. Gerardo é quem tinha razão. Viva o mundo da imagem!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ALVO OU ALVOS? PÚBLICO-ALVO OU PÚBLICOS-ALVOS?

    ALVO OU ALVOS?   PÚBLICO-ALVO OU PÚBLICOS-ALVOS?   Ronaldo Legey 15/09/2020   “Eles foram alvo de denúncia ou alvos de denúncia”.   Esta é a questão. Se nos guiarmos pelo que se ouve de repórteres no telejornalismo ou em outros meios de comunicação usados na mídia, continuaremos em dúvida. Basta ver, por exemplo, o texto abaixo, colhido no GLOBO: de 15-09-2020: Pedro Fernandes, secretário estadual de Educação, é preso por suspeita de chefiar esquema de corrupção; ex-deputada Cristiane Brasil é procurada. Os dois são alvos de uma operação que investiga supostos de desvios em contratos de assistência social (O GLOBO, 11-09-2020)   Aos meus ouvidos ‘alvos’ soa estranho nesta frase, pois nos bancos escolares já me haviam ensinado o que muito claramente diz o Blog da Dad :   “Na semana do Oscar, indicados são alvos de críticas”, escreveu o portal Uol. Eta pegadinha! Deixe no singular o substantivo abstrato que, depois de...

IDIOTISMOS E OUTROS DIZERES NO PORTUGUÊS E NO FRANCÊS

                                                           Idiotismos, frases feitas, clichés, expressões fixas, expressões cristalizadas, expressões congeladas, expressões idiomáticas, aforismos e outros dizeres no português e no francês.                                                             Ronaldo Legey                                                                 ...

É erro mesmo?

É ERRO MESMO? Estudo realizado por Ronaldo Legey 15/11/2018   Quando garoto, bastava dizer “ eu vi ele ” que logo recebia a cuidadosa correção de minha mãe: “Não se diz ‘eu vi ele’, mas ‘eu o vi’”. Bons e saudosos tempos! A lição foi aprendida e, mais ainda, posteriormente reforçada pela escola. Esta nos ensinou que a gramática da Língua Portuguesa estabelece o uso do pronome reto exercendo a função de objeto. Assim sendo, ele , ela , eles, elas , que são pronomes do caso reto, não devem ocupar a função acusativa, ou seja, não podem funcionar como objeto direto, pois esta é uma função própria dos pronomes pessoais do caso oblíquo. Pois é, mas as línguas são caprichosas, são um sistema vivo e dinâmico e, não raro, apresentam fenômenos que se opõem às regras gramaticais que nos são ensinadas. Simples assim. Caso flagrante é o do uso dos pronomes do caso reto ele e suas flexões como objeto direto. Cansamos de ouvir por aí: “Não vejo ele faz tempo”; “Eu quis el...